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Sobre um sério desvio de comportamento e a disputa de poder em relacionamentos com empregados e prestadores de serviços
Gostaria de escrever sobre algo que
parece ocorrer muito quando contratamos algum empregado ou alguma
prestação de serviço mais demorada. Batizei o fenômeno de “síndrome de governanta”
porque o observei por muito tempo e em muitas ocasiões na área
doméstica, com diaristas ou mesmo empregados, mas estou convicto de que o
observado pode ser tranquilamente estendido a muitas outras áreas.
Registrei esse fenômeno pela primeira
vez na casa de um casal amigo, quando o visitava em Salvador e vi que a
empregada doméstica, que lá já trabalhava há longo tempo, era quem
mandava na casa. Ela decidia praticamente tudo e dava até bronca nos
patrões quando eles faziam algo (dentro da própria casa!) que não era de
seu agrado. E o casal calava-se, baixava a cabeça e, mesmo sem gostar
nada do jeito da mulher, fazia o que ela mandava. Questionei depois o
porquê e eles, cochichando para a “governanta” não escutar, me
explicaram que ela já trabalhava há muito tempo para eles e ameaçava ir
embora toda vez que era contradita. Não foi difícil perceber que havia
uma dependência, uma dependência que hoje sei que sempre existe quando
um relacionamento de trabalho é acometido por essa síndrome.
Vi esse tipo de coisa acontecendo com
várias pessoas e eu mesmo fiz minhas experiências. Quando vivia em
Munique, tive, por exemplo, uma diarista que vinha limpar o apartamento
uma vez por semana. Tenho que admitir que a mulher trabalhava muito bem.
A casa ficava totalmente limpa, ela não tinha preguiça de arrastar
móveis ou subir em escada e limpava até cantos que eu mesmo jamais
limparia por serem de difícil acesso. E, no início, tudo correu bem,
tanto que eu a recomendava a outras pessoas, dando sempre boas
referências. Ela até fazia bem mais do que acertado, fazendo bolos
quando eu ou alguém próximo a mim tinha aniversário, cuidava de meu
filho, satisfazendo suas vontades e administrava tudo tão bem que também
no meu caso foi surgindo uma dependência, com ela assumindo cada vez
mais funções em minha vida e eu aceitando com gratidão e por comodismo.
Com o passar do tempo, a coisa foi
piorando, com essa mulher começando a dar palpites em minha vida,
querendo controlar tudo, chegando ao ponto de eu certa vez chegar à sala
e procurar um pequeno vaso que havia ganhado de presente de uma amiga,
sem encontrá-lo em lugar algum. Imaginei que a diarista o havia guardado
e lhe perguntei então quando ela veio alguns dias depois. Jamais
esquecerei o que então ocorreu: a mulher, sem qualquer constrangimento,
me disse que havia jogado “aquele troço feio” fora, pois não combinava
com minha casa. Fiquei primeiro pasmo, sem conseguir dizer uma palavra,
mas depois, indignado com o absurdo da coisa, disse-lhe claramente,
porém com diplomacia, que ela havia ultrapassado um limite e pedi que
jamais repetisse tal atitude, já que a casa seria minha e era eu quem
decidia se algo deveria ser jogado fora ou não. Para minha surpresa, a
mulher, ao invés de se desculpar, fez cara feia, torceu os beiços e
ameaçou ir embora, no mesmo comportamento da empregada de meus amigos em
Salvador.
Nada satisfeito, calei-me assim mesmo
porque não queria que ela se fosse (relacionamento de dependência!),
mas, no fundo, já sabia que os dias dela em minha casa estariam
contados. Ela trabalhou para mim ainda por um tempo, com a situação
piorando cada vez mais, com a mulher se espalhando em minha casa e minha
vida e com ambos de cara feia: eu porque não gostava daquele seu
comportamento e ela por eu não aceitar a autoridade que ela acreditava
ter. Bom, a coisa terminou num dia quando eu estava na sala, falando ao
telefone com um cliente e ela entrou para limpar, fazendo muito barulho e
dando-me a impressão de querer incomodar de propósito. A “brincadeira”
acabou quando ela chegou perto de mim, ficou escutando a conversa e
dando palpites sobre o que eu falava com o cliente. Pedi desculpas ao
cliente, disse que retornaria a ligação mais tarde, levantei e a mandei
embora de imediato.
Conheço tantos exemplos que não acredito
que se sejam casos isolados. Lembro-me, por exemplo, de um conhecido,
que tinha um sítio e contratou um rapaz para trabalhar lá. Esse
conhecido tratava o empregado muito bem, na verdade como se fosse alguém
da família, pagava bem e o dava toda liberdade possível. Também aqui a
coisa funcionou direitinho no início, mas mudou com o tempo, com o rapaz
se espalhando cada vez mais, fazendo as coisas como achava que deveria
fazer e ignorando as instruções do patrão, que viajava muito e tinha
muitas surpresas quando chegava de viagem e via que o rapaz, na verdade,
se comportava como se ele fosse o dono do sítio e o patrão um visitante
qualquer.
Interessante é que todos os casos
observados tinham características comuns: os patrões eram pessoas
corretas e justas, que tratavam os empregados/prestadores de serviços
com respeito, os empregados/contratados sempre se esforçavam muito no
começo, fazendo normalmente bem mais que sua obrigação, o que sempre
gerava uma situação de dependência para o patrão.
Refleti sobre o que estaria por trás
disso e me parece que o problema está na necessidade humana (ou pelo
menos de determinados seres humanos) de exercitar poder. Sabemos que
empregados muitas vezes são maltratados e às vezes até humilhados por
patrões – o que é um absurdo evidente! Esses empregados aceitam isso por
dependerem financeiramente desses patrões. Quando eles então trabalham
para alguém que age de forma diferente, tentando ser justo e tratando
empregados com respeito e dignidade, veem então esse patrão como uma
pessoa fraca, sem autoridade. No início, os empregados, que precisam
trabalhar para sobreviver, agem com humildade e aceitam as regras, mas,
com o passar do tempo, tentam dominar os patrões “fracos” que, em seus
olhos, não precisam ser temidos e muito menos respeitados. Eles criam
então primeiro uma situação de dependência para se sentirem numa posição
mais forte, fazendo depois uso desse suposto poder contra aqueles que
lhe acolheram e deram trabalho.
Constato que isso não ocorre somente no
ambiente doméstico e não somente entre patrões e empregados. Todos nós
conhecemos situações em lojas, por exemplo, quando precisamos da ajuda
de algum vendedor e somos tratados como se estivéssemos pedindo algum
favor, sentindo na pele o desprezo daqueles que estão ali, ganhando para
nos atender, mas que acham que são eles que determinam as regras do
negócio. E quem não conhece os atendentes de consultórios médicos que
usam de seu poder (já que normalmente não temos acesso aos médicos sem
passar por eles!) para humilhar e tratar mal os pacientes?
Bom, como então lidar com isso? Penso
que seria uma solução errada fazer o mesmo, demonstrar poder e tratar
essas “governantas da vida” sem o devido respeito e humilhando-as, como,
infelizmente, muitos fazem. Muito mais inteligente e eficaz seria, em
minha opinião, manter sempre uma distância saudável, evitando um
relacionamento muito pessoal e frisando o lado profissional, sendo
gentil, justo e humano, mas exigindo o claro cumprimento de regras desde
o início, cortando de imediato qualquer desvio de comportamento e
deixando sempre evidente o papel de cada um no relacionamento
trabalhista/de negócio. Se nada disso funcionar, devemos cortar
radicalmente o relacionamento, mandando o empregado embora, procurando
outra loja ou falando com a gerência ou alertando o médico/a médica
sobre a postura de seus atendentes, trocando de consultório se não
houver uma solução satisfatória. E, quando um corte radical não for
possível, por mais forte que seja a tentação, nunca devemos entrar numa
disputa de poder, pois isso, além de desgastante, não é necessário, já
que você como patrão (ou como cliente/paciente) já se encontra no lado
mais forte. Só basta ter consciência disso e se posicionar claramente,
recusando os abusos das “governantas” que cruzam nosso caminho.
Texto Original: Caminhos