Por Paulo Emanuel Machado
Estamos inseridos no mundo da
Linguagem, da Lei e do Desejo. E devemos estar sob o risco de cairmos na
perversão ou na psicose. Estar inserido na sociedade dita civilizada é o
preço que se paga para existir como pessoa de modo mais ou menos pleno.
No entanto, devemos ter um olhar crítico. Ser serenamente crítico.
Porque a sociedade também mente e aliena: ensina-nos com suas regras,
crenças e ditames a nos afastar de nossa essência e de nossa
singularidade, de nosso gozo e de nosso desejo. Ensina-nos a ser
hipócritas conosco mesmos e a nos renegar naquilo que temos de mais
caro: o que somos.
A autoestima, fruto de um profundo
conhecimento de si mesmo, é antídoto para a hipocrisia e a alienação.
Aprender a gostar de si próprio é uma arte e um exercício. Cada dia é um
novo começo para a vida e, nesse tempo que chamamos de “presente”,
podemos reformular o que queremos ser. Na verdade, o que queremos ser é o
que, de fato, somos. No entanto, o que somos é barrado pela família,
pela escola, pela empresa onde trabalhamos, pela sociedade ao redor.
Barrar o que somos – isto é, o que desejamos – é a marca da civilização,
no dizer de Freud. Mas podemos contornar e transcender e chegar a ser e
a sustentar nosso desejo.
O modo de ser humano é ditado e
condenado pela liberdade de escolher, e podemos optar pelo que seja bom
ou mau para nós mesmos. Ainda que condicionados a optar pelo que não
desejamos, se começarmos a nos conhecer de fato, nós teremos a liberdade
de escolher o que fazer com nossa própria existência. Talvez não seja
fácil – e, realmente, não é – se não nos submetermos a uma Análise
profunda que nos descole dos desejos maternos e paternos, e das crenças
moralistas e religiosas que nos cerceiam. Amar a si mesmo é fazer do
tempo um aliado para que possamos usá-lo a nosso favor.
Estamos submetidos ao tempo. O que
quer dizer: desde o dia em que se nasce já se começa a envelhecer e a
morrer. Estaremos continuamente num duelo entre a vida e a morte dentro
de nós mesmos. A vida nos empurrando na direção do afeto, do amor, das
relações frutuosas. A morte nos emperrando e nos atrapalhando,
levando-nos, muitas vezes, a nos sabotar. Ninguém poderá impedir o
processo do tempo, o envelhecer e o morrer. Mas, com consciência e
maturidade, podemos utilizar o mesmo processo para crescer e caminhar no
sentido da realização pessoal e da felicidade. O tempo, bem usado, nos
enriquece de sabedoria, experiência e prudência. É um aliado e não um
inimigo, como a sociedade capitalista nos vende. O tempo pode ser
“cronos” (cronologia), mas também pode ser “kairós” (graça).
Autoestima não é um processo
meramente imanente, feito dentro de nós mesmos. É também estar atento ao
outro: manter-se aberto aos possíveis encontros relacionais que temos
no cotidiano. A melhor forma de suportar o terrível peso do cotidiano
sempre foi, para o animal humano, a paixão, o amor, a amizade, a
alteridade. Os encontros que temos podem nos mudar para melhor ou para
pior. Aqui, mais uma vez, temos o direito de escolher. Aproveitar cada
momento do dia, cada relacionamento com o outro, para crescer na direção
do próprio caminho é dar o melhor de si e usufruir o melhor do outro.
Receitas? Ferramentas? Recursos? A cortesia. A gentileza. O carinho.
Antes de tudo, conosco e, a partir de nós mesmos, com o outro. Jesus
Cristo, no dizer dos evangelistas, pregou que amar é, em primeiro lugar,
amar a si mesmo.
Nós nos conhecemos quando encontramos
o outro em nós mesmos e nós mesmos no outro. Tornamo-nos, de fato,
humanos quando somos inundados pela comunicação, pelo diálogo, pela
interação com o outro. Ser humano é ser relação. Somos animais sociais.
Vivemos em bandos, em tribos, em comunidade. Dependemo-nos uns dos
outros para existir desde o primeiro instante em que chegamos a este
mundo. A autonomia que devemos atingir se faz também na relação que
mantemos, inicialmente com nossos familiares, depois com os outros que
compõem e vão compor o nosso mundo. Ser autônomo é saber ser você mesmo
na relação com as pessoas. Viver bem é saber conviver: estar em sintonia
com seu coração, com seu desejo, com seu modo peculiar de ser e
desejar, sem desligar-se dos outros, sem tornar-se esquivo ao gênero
humano.
A autoestima, hoje tão apregoada,
resume-se a viver com simplicidade, sem ligar-se a regras complicadas ou
a desejos que não sejam os seus próprios. Enfim, viver a vida como ela
se apresenta, mesmo em seus piores momentos. Viver com toda a possível
alegria. Mesmo com paixão. Com compaixão. Saber aproveitar o tic-tac,
tic-tac, tic-tac incessante do tempo sem desesperar-se. Afinal,
envelhecer só é terrível para quem não sabe (não soube) viver sua
própria vida e termina (terminou) vivendo a vida imposta pelos pais ou
pela sociedade alienante. O regime capitalista nega, mas a verdade é que
não se precisa de tanta coisa para ser feliz. Precisamos de uma única
“coisa”: de nós mesmos. Deixar-nos fluir no mistério do tempo: o que se
chama vida.