Por Aline Reskalla
A psiquiatra Kátia Mecler prepara a segunda edição do seu livro
“Psicopatas do Cotidiano”, lançado em agosto deste ano. Eles não são os
temíveis assassinos em série. São pessoas aparentemente normais
que estão no trabalho, em casa ou na escola e têm em comum algum
transtorno de personalidade.
A própria definição de “psicopatas do cotidiano” não existe na
Organização Mundial da Saúde (OMS). Como a senhora mesma disse em
entrevistas anteriores, é um termo resgatado do psiquiatra alemão Kurt
Schneider na década de 40. Por que escolheu esse tema? Algum caso
específico a motivou?
A OMS realmente não considera a psicopatia como uma categoria médica.
Schneider, no livro “As Personalidades Psicopáticas”, de 1923, tratou de
pessoas cuja personalidade foge à média normal e que sofre ou causa
sofrimento por causa de sua anormalidade. Essa definição é bastante
próxima daquilo que tanto a OMS quanto a Associação Americana de
Psiquiatria consideram hoje um transtorno de personalidade e
comportamento. A principal motivação para escrever o livro foi perceber o
sofrimento dos pacientes que lidam com indivíduos que têm transtornos
de personalidade. Muitos chegam com a autoestima arrasada, num grau de
estresse emocional inimaginável. Procuraram ajuda especializada por
considerarem que têm algum problema, quando, na verdade, o problema está
no outro.
A senhora pode citar alguns desses casos de muito sofrimento?
Os casos são muitos. Os psicopatas do cotidiano injetam sentimento de
culpa, impotência e inadequação naqueles que estão no seu entorno. Pais
que sufocam os filhos com uma vigilância sem limites, homens e mulheres
envolvidos em relações amorosas excessivamente dependentes, pessoas que
sofrem com parceiros manipuladores e transgressores, funcionários
sufocados por chefes abusivos, enfim, um universo de situações que podem
se repetir na sua casa, na sua escola, no seu trabalho.
Pela sua definição, os psicopatas do cotidiano são pessoas com
transtorno de personalidade, que é um jeito de ser inflexível, rígido,
que envolve sentimentos ou sensações, pensamentos ou comportamentos
repetitivos que acarretam disfunção em alguma área da vida. A senhora
pode traduzir essa definição?
Imagine que você tenha se casado com uma pessoa muito dependente, desse
tipo que popularmente chamamos de “chiclete”. Ela está sempre exigindo a
sua atenção, sofre por achar que não tem o cuidado que merece (mesmo
que você nada faça além de tentar agradá-la) e acredita que é questão de
tempo ser abandonada. Em algum tempo, você estará exausto
emocionalmente. Outra situação comum: a mãe que faz cenas dramáticas
cada vez que é contestada ou criticada pelos filhos, que chega a ter
sintomas físicos de algum mal-estar para chamar a atenção. Pense ainda
naquele vizinho que está sempre arrumando encrenca no prédio. Desconfia
de tudo e de todos e não perde uma chance de comprar briga com quem quer
que seja. São tipos com que todos nós convivemos, que exibem traços
patológicos de transtorno de personalidade. Ou seja: sempre agem da
mesma maneira, não admitem ser confrontados, não enxergam problemas em
si.
Quando a senhora diz que o grupo B, daqueles com tendência à
perversão, é o grupo da moda, o que significa? Pode explicar melhor
isso?
Estamos vivendo uma época de superexposição da vida pessoal, da
intimidade. De ter é melhor do que ser. As pessoas estão conectadas 24
horas por dia, exibindo seus corpos, seus bens materiais, seus
relacionamentos. O conceito de privacidade mudou. Nesse contexto,
pessoas com tendências ao egocentrismo, à vaidade excessiva, à
manipulação, à mentira, à sedução sentem-se muito à vontade. São
características que perpassam os quatro tipos do grupo B. Porém, cada um
deles tem traços próprios.
Pode falar um pouco sobre esses quatro subitens (antissociais, borderlines, narcisistas e histriônicos)?
No caso dos antissociais, estamos falando de pessoas manipuladoras,
transgressoras, que botam seus desejos e necessidades acima de qualquer
coisa. Agem como parasitas sociais, sugando as energias emocionais do
outro. E não têm constrangimento em usar e descartar quem quer que seja.
Os borderlines são instáveis, passam do amor ao ódio em segundos. Podem
assumir comportamentos de risco em relação a sexo e drogas, por
exemplo, e tendem à automutilação e ao pensamento suicida. O narcisista,
de maneira bem simples, é aquele cidadão que chega e pergunta: “Sabe
com quem está falando?” É alguém que se considera acima do bem e do mal,
tão especial que não precisa seguir regras. Já o indivíduo com
transtorno de personalidade histriônico poderá ser reconhecido pela
tendência à dramaticidade, à necessidade de estar sempre sob os
holofotes.
Já vi estimativas de que 5% da população seria, de forma mais
leve ou mais grave, psicopata. Existe alguma estimativa de quanto desse
total seria de psicopatas do cotidiano?
Tanto a OMS quanto a Associação Americana de Psiquiatria estimam que
cerca de 10% da população têm um ou mais traços patológicos de
transtornos de personalidade. A mera presença de uma característica
(típica de um problema psíquico), sem trazer tantos prejuízos, não é
suficiente para definir a doença.
Se no trabalho você tem colegas ou um chefe psicopata do
cotidiano, como se “defender” dele? Tem um jeito de agir com que você
“neutraliza” a influência negativa na sua vida?
No trabalho, em família ou na sociedade, há alguns caminhos para
conviver de maneira menos traumática com um psicopata do cotidiano. O
primeiro passo é entender que você não é a única vítima. Pessoas com
esses traços agem da mesma forma com todos. Saiba também que
confrontá-lo não vai adiantar. Dificilmente uma pessoa com essas
características compreende que tem um problema – ela acredita que o
problema são os outros. Quando você compreende que seu chefe é daquele
jeito e que não vai mudar, você aprende a se defender e a reagir melhor.
Texto Original: Otempo