Por Rosane Queiroz
Cena 1: uma menina de 2
anos faz birra na hora de comer e atira uma batata frita no chão. Cena
2: a mesma criança causa tumulto numa festa infantil quando a mãe
anuncia que devem ir embora. Talvez essas situações fossem encaradas
como algo constrangedor, mas comum, se tivessem acontecido no Brasil ou
nos Estados Unidos. Mas, na França, a jornalista americana Pamela
Druckerman, mãe da enfant terrible em questão, sentiu o desprezo de seus
vizinhos parisienses. Percebeu, então, que crianças francesas não jogam
comida no chão – título do livro que escreveu sobre o modo francês de
educar, lançado na Inglaterra e nos Estados Unidos, já um best-seller.
Vivendo durante dez anos em Paris com o
marido britânico e três filhos pequenos (a menina e um casal de gêmeos),
Pamela ficou abismada ao ver as crianças francesas comendo tomate à
provençal sem sequer se sujar – e sem interromper os adultos -,
diferentemente de sua filha, que solicitava atenção o tempo todo,
fazendo pouco caso da comida. Ex-repórter do The Wall Street Journal,
ela resolveu investigar as origens desse comportamento civilizado, que
está na forma como as mães francesas criam os filhos. O segredo? Não
vivem em função deles nem tratam as crianças como pequenos reis. Elas
não toleram birras, não negociam nem passam o fim de semana acompanhando
os pequenos em parquinhos ou festas infantis. Em resumo, educam, mas
conseguem manter a vida adulta sem transformar seu mundo num playground.
Para ser um tipo diferente de mãe, você precisa de uma visão diferente
sobre o que uma criança realmente é, decreta ela, logo de cara.
A carapuça, em boa parte dos casos,
serve para as mães brasileiras, já que a educação por aqui é pautada
mais pela americana do que pela europeia, como observa a psicopedagoga
Ceres Alves de Araújo, da PUC de São Paulo. “As francesas sabem dizer
não e ponto”, afirma Ceres, que morou em Paris e viu como lá a criança é
tratada como criança. Para a psicopedagoga, a diferença é que na
cultura americana os pais se perdem em longas explicações desnecessárias
para os filhos pequenos. “Até os 5 anos, a criança nem sequer entende
tantos argumentos. Basta dizer não”, aconselha. Se houver réplica, Ceres
sugere a resposta: “Porque sou sua mãe e sei o que é melhor”. É na
adolescência, quando caberia esticar a conversa, que muitos pais,
exaustos, optam pelo “não e ponto”. “São comportamentos invertidos. A
criança precisa ser obediente na infância para na adolescência se tornar
um ser desobediente.”
Menu completo
A alimentação, tema crucial para a
maioria das mães do planeta, é uma das questões sobre as quais Pamela
Druckerman se debruça. Segundo a autora, as francesas prezam horários
fixos para as refeições, sempre à mesa, começando com uma salada e
terminando com queijo. As crianças comem uma versão encurtada do menu
dos adultos e são encorajadas a provar de tudo. Não existe criar um
cardápio diferenciado ou a hipótese de preparar outro prato porque
naquele dia não tem nada que o pequeno aprecie. Comida, na França, não
envolve jogo emocional. “Os pais preparam as refeições com calma e
ingredientes frescos. As crianças aprendem a respeitar o alimento”, diz a
francesa Eileen Leazeau, secretária executiva que vive há 21 anos nos
Estados Unidos e é mãe de três adultos.
Sono e polidez
O horário de ir para a cama é outro
drama tratado com sabedoria à francesa. Enquanto nos Estados Unidos (e
aqui!) os pais passam meses sem dormir para atender o bebê no meio da
noite, os franceses aguardam até dez minutos para ter certeza de que a
criança está realmente infeliz. Eles se permitem acreditar que o pequeno
pode estar apenas resmungando ou sonhando. Ou que logo voltará a
dormir. “Pais que se revezam no quarto do filho criam um condicionamento
inadequado”, acredita Ceres.
Sob diversos aspectos, os franceses esperam mais de uma criança, ainda que ela seja apenas uma criança. Isso significa que os pequenos não só devem dizer “por favor” e “obrigado” mas também bonjour e au revoir aos adultos. Eles ainda devem aprender a esperar, seja em nome da paz doméstica, seja para evitar constrangimento social. Os pais, ali, se empenham em combater o caos criado pelo mundo infantil e preservar os direitos paternos. Ceres aprova. “Aqui, vivemos a era do ‘filiarcado’, em que os filhos reinam”, critica ela. Ensinar as crianças a lidar com a frustração é a regra máxima de French Children Dont Throw Food, ainda sem data para publicação no Brasil. Na abordagem francesa, os pais estabelecem uma “moldura” de limites. A imagem sugere fixar regras, mas com certa liberdade dentro delas. Com a moldura definida, as necessidades dos adultos permanecem, ao menos, no mesmo nível que as das crianças. Criar filhos é apenas parte do plano, e não um projeto de vida.
A certa altura, tudo parece funcionar
bem demais para ser verdade. “Talvez Pamela seja muito afirmativa”, diz
Ceres. Mas, como o livro é narrado com humor e certa ironia, a autora se
redime de possíveis deslizes e passa uma mensagem libertadora para
aquelas que ainda veem os filhos arremessando batatas fritas: “Mesmo
boas mães podem não viver a serviço constante das crianças, e não há
razão para se culpar por isso”, ensina Pamela.