Por Denis Russo Burgierman
Pela primeira vez, uma grande equipe de especialistas médicos de
universidades de ponta de vários países do mundo, utilizando todas as
técnicas mais avançadas de monitoramento cerebral, conseguiu observar em
detalhes o cérebro humano funcionando sob o efeito do LSD. A pesquisa, publicada hoje pela prestigiosa revista da Academia Nacional de Ciências dos EUA, está sendo vista como o "mamma paper" (pesquisa-mãe) de uma nova e promissora área de investigação, que pretende transformar o LSD e outras drogas psicodélicas,
antes vistas como substâncias perigosíssimas e sem nenhum interesse
médico, em remédios psiquiátricos que podem inclusive substituir os
anti-depressivos e ansiolíticos de hoje em dia, cada vez mais vistos
como obsoletos cientificamente.
A chave para o potencial medicinal do LSD apareceu com clareza na
pesquisa que acabou de ser publicada. Conforme esperado, os cientistas
observaram que a droga tem o poder de enfraquecer a chamada "rede de
modo padrão", uma série de conexões do cérebro que alguns cientistas
comparam a um "gerente-geral". "A rede de modo padrão é quem estrutura
aquilo que consideramos o nosso estado 'ordinário' de consciência. É ela
que nos diz o que é adequado, o que é normal", explica Eduardo
Schenberg, da Unifesp, o único brasileiro entre os 26 autores do estudo.
Pois então: a rede de modo-padrão é pouco ativa em crianças, mas
funciona cada vez mais intensamente enquanto envelhecemos - e ela é
fortíssima em indivíduos que tiveram grandes traumas ou que sofrem de
depressão. Os cientistas envolvidos na pesquisa, liderados pelo
britânico Robin Carhart-Harris, do Imperial College, de Londres,
acreditam que a tal rede tem tudo a ver com a chamada "plasticidade do
cérebro" - a capacidade de refazer conexões e mudar funcionalmente.
Quanto mais forte a rede, mais rígido é nosso sistema nervoso - menos
plástico, portanto. Na infância, temos uma capacidade quase infinita de
aprender coisas novas e de mudar. A ideia básica da terapia com LSD,
portanto, seria a de desligar a rede de modo-padrão, de maneira a
aumentar temporariamente a plasticidade do cérebro, tornando possível
moldar a mente para resolver definitivamente problemas psiquiátricos
sérios. "Parece ser um pouco como uma regressão: o paciente volta a ter
uma mente de criança para curar distúrbios psiquiátricos", diz
Schenberg.
Essa abordagem é completamente diferente daquela utilizada nos
anti-depressivos e ansiolíticos atualmente disponíveis nas farmácias.
Esses remédios buscam regular o ambiente químico do cérebro. Por
exemplo, a estratégia dos anti-depressivos é aumentar a quantidade de
serotonina no cérebro - o que até faz sentido, já que a depressão está associada a níveis baixos de serotonina.
"O problema é que essa abordagem parte do princípio de que o cérebro é
uma coisa fixa. E hoje sabemos que ele é muito plástico", diz
Schenberg. Isso pode ajudar a entender os problemas que têm surgido
envolvendo remédios psiquiátricos, após anos de uso. Aparentemente, o
cérebro vai se modificando por causa dos remédios e, com o tempo, eles
vão deixando de funcionar. Por exemplo, os anti-depressivos, se por um
lado aumentam a quantidade de serotonina, por outro parecem causar uma
redução gradual da sensibilidade à serotonina. Por isso, eles causam
dependência: fica cada vez mais difícil viver bem sem doses
artificialmente altas da substância. E, o pior: eles podem até piorar o
problema, em vez de ajudar. Alguns médicos acreditam que tomar
anti-depressivo durante um surto de tristeza pode acabar levando à
depressão: aquilo que passaria naturalmente acaba virando um problema
crônico.
A esperança de Carhart-Harris e do resto da equipe é que a terapia
com LSD funcione de maneira bem diversa. Primeiro: o medicamento seria
tomado apenas uma vez, ou algumas poucas, com acompanhamento cuidadoso
de terapeutas durante todo o tempo de ação da droga. Os remédios
tradicionais precisam ser tomados por anos, muitas vezes pelo resto da
vida. Claro que as grandes empresas farmacêuticas não ficam muito
felizes com a ideia, já que remédios psiquiátricos atuais custam
caríssimo e as cartelinhas terminam logo. Já o LSD e drogas psicodélicas
como a psilocibina (cogumelo), o MDMA (ecstasy),
a ibogaína e a ayahuasca não apenas requereriam bem menos doses, mas
não podem ser patenteadas pela indústria, pois são substâncias naturais.
Mas o argumento mais surpreendente para defender o uso dessas drogas
em substituição aos remédios de tarja preta atualmente nas farmácias é o
seguinte: elas parecem ser muito mais seguras. Drogas psicodélicas são
perigosas sim, principalmente quando tomadas por pessoas suscetíveis a
psicoses, sem acompanhamento médico. Mas os cientistas estão percebendo
que, quando elas são administradas por terapeutas bem treinados, num
ambiente controlado, o risco que elas oferecem é próximo de zero.
Pesquisas como essa que acaba de ser publicada mostram que é possível
monitorar em detalhes o efeito da droga no cérebro, evitando
imprevistos. Já os remédios psiquiátricos tradicionais agem lentamente,
ao longo de anos - é impossível monitorar seus efeitos com precisão,
porque as mudanças são graduais demais e não dá para observar o
funcionamento do cérebro por décadas.
Agora espera-se que, nos próximos meses, dezenas de outras pesquisas
sobre o tema sejam publicadas, trilhando o caminho aberto pelo mamma-paper.
Será hora de verificar se o potencial dos tratamentos psicodélicos é
tão grande quanto parece ser. Por muitos anos foi praticamente
impossível pesquisar o uso medicinal dessas substâncias, porque os
órgãos científicos governamentais normalmente não autorizavam, por
questões éticas ligadas aos riscos das drogas. Recentemente, alguns
cientistas conseguiram aprovar estudos com LSD e psilocibina
acompanhados de terapia, mas apenas para casos extremos: pacientes à
espera da morte, que sofriam de angústia e depressão. Como já eram casos
terminais, os riscos das drogas foram considerados irrelevantes. Os
resultados desses testes têm sido muito promissores. Tudo indica que
eles abrirão as portas em breve para pesquisas com casos menos extremos -
afinal não são só pacientes terminais que sofrem com angústia e
depressão.
Texto Original: Superinteressante